domingo, 28 de novembro de 2010

28 DE NOVEMBRO


"As árvores me começam"
                                                                                                                          Manoel de Barros


ele não entendia nada do que ela falava, quase nada, estética-relacional, Foucault, Guatarri, Deleuze, ético-estético, quase nada.
e ela denunciava tudo aquilo com uma paixão, uma volúpia, uma verborragia, assim era ela e ele sorria.
eram lindos, a imagem dela naquela vontade/desejo e dele sorrindo.
se encontraram, no acaso, um amigo em comum e uma mesa.
sentados, riam e riam muito; o riso seria o ponto em comum de ambos, uma alegria contagiante.
ele pouco falava, calado, era adepto das plantas, da terra, das sementes, gostava de sentir o sol e o vento, sabia das coisas pela temperatura da brisa, se choveria? se faria sol? sabia do tempo, cultivava girassóis e calma.
eu estava sentado ao lado e me interessei por tudo aquilo, pelo ético-estético e pelos girassóis.
o que mais chamou a atenção dele foram os ombros dela, os ossos da clavícula saltavam em seus olhos, cabelos curtos revelavam toda a sua beleza.
ele era alto, magro, suas mãos eram ásperas, o sol lhe imprimira muitas marcas, inclusive a leveza.
quando se cumprimentaram e beijaram os rostos um do outro, ela sentiu suas mãos ásperas, mas, também, uma suavidade, a força exata que seus dias pediam.
naquele momento ambos encontraram o equilíbrio em suas diferenças, na potênica que emanavam em e para ambos, singularizaram-se.


...


e eu estive sentado ao lado e me interessei - muito - por tudo aquilo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

roberta stubs






onde está a cama elástica do meu quintal




?



23 DE NOVEMBRO


... torna-te quem tu és ...
Friedrich Wilhelm Nietzsche           


acordei e fui tomar banho, estava ávido por isto, me sentia desconfortável com a noite que me impregnava sonhos confusos.
saindo, defronte ao espelho, me deparei com ele, o outro.
diante de mim a imagem que via não era minha, era de alguém que não conhecia, nunca havia visto, nem de relance.
quem era?
não sei.
perguntei-lhe o nome.
ele não disse nada, só sorriu.
por quê este sorriso?
estava estupefato, será que aquela imagem era eu?
o outro?
mas eu me conheço, me sei!
vesti minhas roupas, calcei os tênis e saí correndo, precisava me ver novamente.
na rua, fui ao encontro de outro espelho e ao olhar, ele continuava sorrindo!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

vertigem

"...o que permite que a partir de algo que é exterior a mim possa se operar um reconhecimento de mim mesmo..."
"... e é isso o que é importante, reconhecemo-nos em outrem, a partir de outrem..."
Michel Maffesoli, in No Fundo das Aparências





u    l    t    i    m    a    m    e    n    t    e
andocaminhandocomacabeçabaixa
olhandoparaosmeuspés





domingo, 21 de novembro de 2010

21 DE NOVEMBRO

todos os dias ele olhava o celular, normalmente entre 22hs00/22hs42.
inevitavelmente, eram nestes 42 minutos que a ausência dela era quase insuportável.
talvez por ser um pouco antes dele dormir ou, talvez, neste período ele não se concentrava em outras situações, não tinha nenhuma ocupação, além dele com ele mesmo.
enfim, eram os 42 minutos mais difíceis naqueles últimos meses.
e seriam os 42 minutos mais difíceis de todo o verão.
nunca me disseram o por quê da separação.
nunca me disseram muitas coisas.
nem os conheço.
escrevo sem experiência nenhuma destes dois.
sei que seus nomes eram Lúcia e Ricardo.
e sei, também, que somente ele usava relógio.
ela usava - sempre - um anel (muito bonito) e de vez em quando, um par de brincos.
ele olhava o telefone para ver se havia alguma chamada não atendida ou alguma mensagem.
a suspeita de um desejo - ainda - por parte dela.
e nada.
a única mensagem que havia no celular naquela noite era de um amigo do escritório.
e ele não retornaria a ligação perdida.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SUICÍDIO

- alô, alô, preciso de uma ambulância, é urgente.
- sim, senhor. tenha calma.
- eu preciso imediatamente de uma ambulância.
- o senhor está falando da Rua Cândido Silveira, 243?
- sim. apartamento 06.
- preciso que o senhor responda o ocorrido.
  (ele chorava ininterruptamente, não conseguia responder a pergunta, a atendente insiste).
- senhor, por favor, preciso que o senhor me informe qual o motivo da chamada?
- é suicídio.
- o senhor conhece a vítima?
- sim, sou eu!