hoje me tornei um homem. sim. no meio da tarde. estava frio. e continua. uma mulher parou ao meu lado. __ você lembra que me ensinou a amarrar o sapato? não entendi, já é noite e ainda não entendo direito. __ sim. você me ensinou a amarrar o sapato. __ por quê fui eu a ensinar amarrar os teus sapatos? __ não sei. só sei que foi você! __ e onde foi isso? __ a lembrança de você me ensinando a amarrar o sapato se passa dentro de um teatro; bem na época do milagre dos olhos que mudaram de cor. (meus olhos mudaram de cor, mas na verdade, os queria roxos). eu tinha sete anos. acho que não sabia o que te dizer na época.
__ de que cor queria teus olhos? encantado, respondi: __ um de cada cor, enxergaria o mundo mais colorido. ela sorriu. __ eu te escolheria de olhos marrom terra e amarelo queimado. __ ah, e outra coisa, apaixonar é fácil e desapaixonar? não entendi, já é noite e ainda não entendo direito. __ desapaixonar? __ sim. você deve ser apaixonado como eu (nunca estou só, tenho medo do escuro e de mim). esse é o nosso dom e o castigo, também. __ castigo? __ sim. mas hoje quero somente o inevitável. eu sorri. __ então, você lembra que me ensinou a amarrar o sapato? __ não. __ sim. você me ensinou a amarrar o sapato. e depois aprendi a correr. e hoje, corro, corro, corro. e ela insistiu. __ que cor quer seus olhos, para que eu possa colher a cor? __ colher a cor? sorri, novamente. __ estas que escolheu, quais eram mesmo? __ marrom terra e amarelo queimado. __ sim. marrom terra e amarelo queimado. aproveite e colha a roxa, também. __ sim. poderíamos pintar nossos olhos! e continuou. __ por quê nunca conversamos antes? só me lembro do dia do sapato! estupefato, respondi. __ não sei. e continuei.
e quando pintaremos nossos olhos? ela fechou os olhos e respondeu. __ em setembro. e ainda de olhos fechados, sussurrou.
__ eu preciso ir. o tempo me chama.